Doctor Who '73 Yards' e o Valor da Autodescoberta (Comentário Com Spoiler)

Neste episódio de Doctor Who, somos imediatamente transportados para uma atmosfera carregada de mistério e tensão quando o Doutor (vivido nesta temporada por Ncuti Gatwa) e Ruby (por Millie Gibson) aterrissam em uma costa ventosa do País de Gales. O desaparecimento repentino do Doutor após romper um círculo de fadas deixa Ruby sozinha e vulnerável, mas o verdadeiro suspense começa quando uma figura misteriosa, sempre a uma distância de 73 jardas, começa a assombrá-la.

Sozinha, Ruby precisa lidar com a presença inquietante da figura misteriosa que a persegue de longe. Os sussurros dessa aparição enigmática são tão assustadores que fazem qualquer pessoa que se aproxime dela fugir aterrorizada. Este mistério perdura ao longo de todo o episódio, culminando em um desfecho de reflexões valiosíssimas.






"Are you a part of this? What have you done? Did you do this?"

A frase "Vemos algo inexplicável e inventamos as regras para fazê-lo funcionar" encapsula de maneira brilhante a abordagem única deste episódio. Quando Ruby Sunday se vê sozinha, sem a presença reconfortante do Doutor, ela é forçada a confrontar não apenas os mistérios do mundo externo, mas também os enigmas de sua própria existência. O desaparecimento do Doutor, que não é breve, é um catalisador que a impulsiona a embarcar em uma longa jornada, onde cada passo é permeado por medos antigos e novas revelações.

Longe do conforto familiar da TARDIS, Ruby revela uma força interior que transcende os limites do tempo e do espaço. Separada do Doutor, a jovem revela uma resiliência admirável e uma capacidade de adaptação que é ao mesmo tempo inspiradora e dolorosa. Ela acredita inicialmente que foi abandonada pelo Doutor, mas sua determinação em continuar esperando pelo seu retorno, mesmo quando todos os indícios apontam para o contrário, mostra a profundidade da ligação que ela sente. 

Esta espera contínua pode simbolizar a esperança e a fé inabaláveis que muitos dos companheiros do Doutor desenvolvem ao longo de suas aventuras. Mas ao episódio conversa perfeitamente com a ideia inicial de abandono, sendo o Doutor o primeiro a deixar Ruby para trás, diga-se de passagem. Tamanha ambiguidade deliberada do episódio sugere que, por vezes, o desconhecido pode ser mais perturbador do que qualquer explicação lógica, e que a verdadeira essência do mistério reside na sua interpretação pessoal e subjetiva.


"Oh, it’s a circle. Someone made this."

A construção do episódio, com suas referências a contos de fadas e círculos mágicos, cria uma atmosfera quase onírica, que nos faz questionar a linha tênue entre a realidade e a magia dentro do universo de Doctor Who. A imagem de Ruby retornando à TARDIS, agora coberta de musgo e flores, é um símbolo poderoso de memória e esperança. É como se a TARDIS, assim como Ruby, estivesse esperando pacientemente pelo retorno do Doutor.

Os personagens secundários, com suas histórias breves mas impactantes, servem como ecos das próprias inseguranças de Ruby. A fala de sua mãe adotiva, Carla (Michelle Greenidge), que sugere que nem mesmo a sua mãe biológica a queria, ressoa profundamente, tocando nas feridas da rejeição e do abandono. Essas experiências não são apenas eventos isolados, mas fragmentos de uma narrativa maior sobre a solidão e a busca por pertencimento da personagem em conflito.

A ambiguidade do mistério envolve Ruby como um manto, desafiando-a a encontrar significado além das palavras e explicações lógicas. Em cada esquina sombria, ela confronta não apenas os monstros que a perseguem, como também os seus relativos. O abandono da figura materna, mesmo que adotiva, talvez seja o ponto alto que transforma o episódio num fever dream para mim e me faz questionar até onde o brilhantismo do roteiro, escrito por Russell T Davis, está disposto a ir. 


"Don't worry. Everyone has abandoned me my whole life. But I haven't been alone for 65 years."


No clímax do episódio, encontramos a resposta. A revelação da Ruby mais velha é um momento de intensa introspecção. Sem explicações claras, essa aparição desafia as convenções da lógica e da linearidade temporal de toda a série, simbolizando a complexidade da jornada interna. É um lembrete de que, muitas vezes, nossas maiores batalhas são travadas dentro de nós mesmos e que a verdadeira coragem reside em enfrentar nossos próprios demônios.

Este para mim não é apenas um episódio de televisão, mas uma meditação sobre a natureza da identidade. A jornada de Ruby pode nos falar também sobre como a busca por pertencimento pode nos afastar de nós mesmos, de nossa própria essência. Em um mundo onde o abandono e a solidão são temas recorrentes, Ruby descobre que, no fim das contas, a única pessoa que realmente possui é a si mesma. E essa verdade, ainda que dolorosa, é também libertadora. Ao abraçar seu fato, Ruby encontra a força para salvar não apenas a si mesma, mas também o mundo ao seu redor; mesmo que tenha levado toda sua vida para descobrir, no último momento, a si mesma.

'73 Yards' me lembra que, apesar dos desafios e das incertezas, a jornada de autodescoberta é a mais vital de todas. E, nesse processo, descobrimos que somos a nossa própria companhia mais constante e valiosa. Mesmo este sendo um episódio hipotético na série, onde o doutor dá lugar a sua colega de cena por um algum tempo, essa verdade não perde força. Este é simplesmente um daqueles episódios que marcam uma temporada. Um que todos deveriam assistir e tirar suas próprias conclusões.





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