Duna: Parte Dois | As Diferenças Marcantes em Relação aos Livros (Análise Com Spoiler)
À medida que "Duna: Parte Dois" se desdobra, ele traz consigo o peso da expectativa dos fãs da série de livros original. Enquanto a direção de Denis Villeneuve continua a impressionar visual e narrativamente, há algumas omissões flagrantes que deixam os devotos seguidores da obra-prima de Frank Herbert ansiando por mais. Para aqueles que leram o livro ou viram o filme anterior, esta continuação proporciona um olhar mais detalhado sobre os personagens e suas motivações, ao mesmo tempo em que introduz algumas mudanças significativas que acrescentam uma nova perspectiva à história.
Uma das mudanças mais notáveis em relação ao livro é a compressão da linha do tempo, condensando eventos que originalmente se estendiam por mais de dois anos em um período de cerca de sete ou oito meses. Essa alteração permite uma narrativa mais focada, mas também levanta questões sobre o desenvolvimento dos personagens e relacionamentos. O tempo de Paul com os Fremen é encurtado, e vemos as consequências disso por meio de seu crescimento acelerado como líder, com menos tempo para uma evolução pessoal.
Uma mudança drástica, porém aceitável e inventiva, é a representação de Alia Atreides como um feto que se desenvolve ao longo do filme no útero de Lady Jessica, vivida brilhantemente por Rebecca Ferguson. Alia, é irmã mais nova de Paul, e uma personagem fascinante cuja transformação é um ponto crucial nos livros. Nascida com as memórias e a sabedoria das Bene Gesserit devido a Jessica beber a Água-da-Vida enquanto estava grávida, Alia é considerada uma abominação. Seu comportamento de adulto como criança e seu eventual papel em "Duna Messias" são cruciais para a história.
Première de "Duna: Parte Dois" em Londres (Imagem: Getty/Samir Hussein) |
A decisão de não incluir Alia nascida, como no filme de 1984, e ter Paul tomando decisões que originalmente foram escritas para ela, altera uma parte significativa da história. No primeiro livro, Alia é responsável pela morte de Barão Harkonnen com uma agulha envenenada das Bene Gesserit. Também é ela quem usa a voz contra a Reverenda Madre Mohiam, momentos cruciais que mostram sua complexidade e poder. A escalação de Anya Taylor Joy como Alia, no entanto, deixou os fãs animados. A projeção dela na visão de Paul, que também consome a Água-da-Vida, é mais um momento bem-vindo de estranheza que não estraga a experiência geral. Ainda assim, a sua ausência como uma personagem nascida, em vez de um feto, embora muito criativa pode ser decepcionante para fãs mais fervorosos do universo de Duna.
Eu aprecio como a nova escolha se revela econômica, criativa e cinematograficamente intrigante. Ela desperta curiosidade sem se sobrepor aos muitos elementos narrativos do filme. Ao invés disso, é como um estranho elemento no ninho, que desde o início do filme cria uma aura de estranheza que me é extremamente satisfatória. Além disso, essa interpretação adiciona uma camada de mistério e complexidade ao personagem. Ela explora o conceito do "pré-nascido" sob uma nova luz, mostrando como a consciência de Alia é uma mistura de memórias ancestrais, sem uma identidade singular e coesa.
A direção de Villeneuve brilha nessas cenas, usando a evolução do feto para demonstrar a passagem do tempo. Em dado momento, lembrou-me de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", um filme frequentemente utilizado em cursos de cinema para exemplificar a passagem do tempo na narrativa cinematográfica. A sua direção brilha em muitos momentos, especialmente durante a agonia da especiaria de Jessica, toda aquela sequência e interpretação de Ferguson assume um tom sinistro depois de beber a Água-da-Vida, mostrando um lado mais sombrio conforme ela manipula os Fremen, guiada por sua outra memória desperta e os conselhos da pré-nascida Alia. A atuação de Ferguson adiciona profundidade a Jessica, destacando sua disposição para explorar quaisquer meios necessários para alcançar seus objetivos, refletindo os perigos do líder carismático retratados no material original.
A direção de Villeneuve brilha nessas cenas, usando a evolução do feto para demonstrar a passagem do tempo. Em dado momento, lembrou-me de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", um filme frequentemente utilizado em cursos de cinema para exemplificar a passagem do tempo na narrativa cinematográfica. A sua direção brilha em muitos momentos, especialmente durante a agonia da especiaria de Jessica, toda aquela sequência e interpretação de Ferguson assume um tom sinistro depois de beber a Água-da-Vida, mostrando um lado mais sombrio conforme ela manipula os Fremen, guiada por sua outra memória desperta e os conselhos da pré-nascida Alia. A atuação de Ferguson adiciona profundidade a Jessica, destacando sua disposição para explorar quaisquer meios necessários para alcançar seus objetivos, refletindo os perigos do líder carismático retratados no material original.
Os Fremen são retratados com nuances, mostrando crenças diversas entre grupos diferentes. A divisão entre o mais secular Norte e o mais religioso Sul adiciona tensão e complexidade às suas interações. O arco do personagem de Stilgar (Javier Bardem) é particularmente bem feito, conforme ele transita do ceticismo para uma crença fervorosa em Paul como o Messias profetizado. Sua fé inabalável, contrastada com outros Fremen que possuem visões diferentes sobre quem o Mahdi deveria ser, adiciona camadas aos conflitos internos dentro da comunidade Fremen.
Além das poderosas Bene Gesserit, que desempenham um papel significativo no universo de Duna, a presença dos Thufir Hawat também é bastante demandada. Sua ausência no segundo filme é notavelmente sentida, especialmente quando se sabe que cenas foram gravadas, mas acabaram sendo descartadas na sala de edição, tudo em prol de encurtar o tempo do filme. Isso nos leva a refletir e debater sobre a importância dos personagens secundários terem seu devido tempo de tela. É curioso notar, por exemplo, como a amiga de Chani (interpretada por Zendaya) tem lugar de fala e tempo de tela em relação a Thufir Hawat – uma adaptação que serve a esse filme, mas também uma oportunidade perdida que poderia ter enriquecido ainda mais a trama.
O primeiro filme também não explora totalmente as capacidades de Thufir, que essencialmente é um computador ambulante, projetado quando não muito para matar. Isso também se estende a personagens como Piter De Vries, cujo potencial foi interrompido com sua morte no primeiro filme. Por tanto, a profundidade desses personagens e seus papéis no universo de Duna não foi adequadamente retratada. Pelo menos não até o presente momento.
O filme consegue manter a atenção do público com sua trama intrincada e visuais arrebatadores, apesar de suas lacunas, que prefiro chamar de escolhas e decisões criativas, mas que ao público menos engajado podem parecer furos de narrativa; como, por exemplo, muitas das pessoas que leram os livros podem se perguntar como os Fremen conseguem subir no verme gigante com a Lady Jessica grávida(?) No universo de Duna os Fremen possuem habilidades e técnicas específicas para montar e controlar/desacelerar os gigantescos vermes de areia, que são criaturas fundamentais em seu ambiente desértico, também sendo os responsáveis pela criação da especiaria melange.
A ausência de algumas das icônicas falas dos discursos de Paul também pode ser motivo de controvérsia aos fãs mais engajados. No livro, a sua declaração como Duque de Arrakis é um momento poderoso, mostrando sua confiança e autoridade de uma maneira que não deixa espaço para dúvidas. Sua declaração ousada sobre vencer qualquer um em combate corpo a corpo e o foco em mirar nos Harkonnen é um testemunho de seu pensamento estratégico e determinação. No entanto, no filme, esse discurso toma uma direção ligeiramente diferente, embora traga o impacto necessário à narrativa.
Mesmo que os elementos da bravura de Paul estejam presentes no filme, como sua confiança e resolução, a adição de um desvio sobre provar sua presciência aos Fremen pode parecer desnecessária. Afinal, os Fremen já são crentes na profecia, então por que a necessidade de mais uma prova? Também pode parecer repetitiva sua última busca por validação.
Antecipando o que está por vir, há otimismo em relação a mais filmes situados no universo de Duna. Existe o receio de que, caso a franquia atinja um sucesso estrondoso, ela possa ser vítima de spin-offs e sequências que não respeitem o material original, mas eu não me importaria de testemunhar mudanças, principalmente visuais. Me preocupa apenas orçamento baixo e qualidade duvidosa de projetos nas mãos de futuros diretores.
O balanço entre o êxito comercial e a preservação da essência narrativa de Duna é um desafio delicado. Muitas vezes me pego questionando por que escolheram o cinema como meio para contar uma história tão complexa. O cinema, por mais magnífico que seja em capturar visuais e atmosferas imersivas, também tem suas limitações. Em um universo tão vasto como o de Duna, com suas intrincadas políticas, profecias e personagens multidimensionais, é difícil não imaginar se uma série de televisão não teria sido uma escolha mais adequada. Digo isso sem ter visto as séries "Duna" (uma minissérie dos anos 2000), e "Children of Dune" (2003) com James McAvoy.
Uma série de TV poderia permitir uma exploração mais profunda dos personagens, proporcionando espaço para desenvolvimentos mais detalhados e uma imersão prolongada nesse universo rico e multifacetado. A capacidade de dedicar episódios inteiros a eventos importantes, personagens secundários e subtramas poderia enriquecer significativamente a experiência para os fãs do livro. Além disso, uma série permitiria que a história de Duna fosse contada de forma mais expansiva, respeitando o ritmo da narrativa original e evitando a necessidade de cortes e adaptações drásticas para caber em um filme de poucas horas.
Uma série de TV poderia permitir uma exploração mais profunda dos personagens, proporcionando espaço para desenvolvimentos mais detalhados e uma imersão prolongada nesse universo rico e multifacetado. A capacidade de dedicar episódios inteiros a eventos importantes, personagens secundários e subtramas poderia enriquecer significativamente a experiência para os fãs do livro. Além disso, uma série permitiria que a história de Duna fosse contada de forma mais expansiva, respeitando o ritmo da narrativa original e evitando a necessidade de cortes e adaptações drásticas para caber em um filme de poucas horas.
“There is no real ending. It’s just the place where you stop the story.” (“Não há um final real. É apenas o lugar onde você interrompe a história.”) – Frank Herbert |
No entanto, há um apelo especial no cinema, especialmente quando se trata de um filme tão visualmente espetacular como Duna Parte Dois. As paisagens vastas e desérticas, os detalhes impressionantes da cultura fremen, as batalhas épicas – tudo isso ganha vida de maneira inigualável na tela grande. A sensação de grandiosidade e escala que o cinema proporciona é algo que muitos apreciam e que, de certa forma, condiz com a magnitude de Duna.
Como quem tenta fazer caber em uma só mala de viagens um monte de peças de roupas, que mal dá para fechar sem que haja muito esforço, os dois primeiros filmes de Duna, por Villeneuve, adaptam em duas partes as crônicas do primeiro livro. Mesmo com as suas ponderações, o principal desejo é que qualquer continuação ou expansão do universo de Duna seja feita com o devido respeito e cuidado pelo material original.
Que não se perca a essência que torna Duna uma obra tão amada e reverenciada por muitos. A genialidade dessa adaptação vai muito além de seus visuais deslumbrantes ou escala épica; ela reside também em sua exploração íntima de personagens e temas. "Duna: Parte Dois" é um filme que desafia nossas concepções de heroísmo, de profecia e das consequências de se exercer um grande poder.
Enquanto aguardamos ansiosamente a próxima aventura cinematográfica de Duna, somos envolvidos por um sentimento de antecipação, conscientes de que a saga de Duna está longe de alcançar seu desfecho. Os ecos da jornada de Paul, os sussurros dos Fremen, eles persistem em nossas mentes, como um prelúdio irresistível ao épico que ainda está por vir.
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"Duna" (1965)
"Duna Messias" (1969)
"Filhos de Duna" (1976)
"Imperador-Deus de Duna" (1981)
"Hereges de Duna" (1984)
"Herdeiras de Duna" (1985)
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